Criado para ser uma alternativa ao mercado financeiro tradicional a partir da crise de 2008, que quebrou dezenas de instituições financeiras tradicionais, o Bitcoin e a sua tecnologia subjacente, o blockchain, nasceu com pretensões altamente libertárias e contrárias ao mercado tradicional, como uma moeda que não era emitida por Bancos Centrais e não dependia de instituições financeiras para funcionar como meio de troca ou unidade de conta (como uma moeda corrente) ou como reserva de valor (como o ouro).
Por conta disso, foi natural que, nos primórdios, os principais usuários do Bitcoin fossem unicamente pessoas físicas com alto grau de conhecimento específico em informática e computação. Sendo mais direto: no início, somente se interessavam por essa “moeda digital” os chamados geeks ou nerds, que costumam ser os primeiros a ser atraídos por avanços em tecnologia.
A partir do ano de 2011, quando começaram a surgir as primeiras corretoras de criptomoedas (cryptoexchanges), esse público dos early adopters e cypherpunks foi expandido, chegando a algumas pessoas mais atentas e que começaram a estudar e compreender melhor a utilidade de criptomoedas descentralizadas ou, principalmente, se entusiasmaram com a possibilidade de crescimento exponencial em um investimento alternativo.
De todo modo, somente a partir do ano de 2017, quando o Bitcoin atingiu a sua (então) máxima histórica de 20 mil dólares, é que pessoas fora do nicho de informática, além de empresas e investidores institucionais que até então passavam longe do investimento em criptomoedas – dentre outros pontos, por estarmos falando de um mercado não regulado em quase todos os países do globo e ainda, para alguns, incompreensível e ligado a crimes na deep web em seus primórdios – começaram a se interessar pelo assunto.
E como se interessam. No momento atual, em que o Bitcoin atingiu novas máximas históricas (chegou próximo de 65 mil dólares, em abril de 2021; atualmente, quando escrevo este artigo, em junho/2021, seu preço é de cerca de 39 mil dólares por unidade, bem abaixo da máxima histórica, mas ainda assim o dobro do valor de 2017), o assunto passou a fazer parte do mainstream, com influenciadores, casas de análise, jornais especializados e mesmo a imprensa “comum” dando grande destaque às criptomoedas, seus preços e sua volatidade.
Embora isto não seja um fenômeno isolado (na verdade, no Brasil estamos diante de um momento de migração dos investimentos de renda fixa, como a poupança, para um maior interesse em investimentos em renda variável; com isso, o número de investidores pessoas físicas cadastrados na Bolsa de Valores brasileira “tradicional”, a B3, mais que dobrou entre 2019 e 2020), é certamente um momento em que muitos desses novos investidores podem ser prejudicados por aproveitadores, que se valem da aura de futurismo e vanguarda das criptomoedas para oferecer a desavisados produtos que prometem rendimentos surreais (é comum propagandas que falam em robôs investidores e garantem rendimentos fixos de 10% ao mês, por exemplo), mas que são, na verdade, golpes.
Talvez por isso, muitos ainda associem as criptomoedas a pirâmides, a um “esquema Ponzi” infinito e assim se afastem de investir ou ao menos de conhecer o mundo das criptomoedas e do blockchain; pior ainda, muitos acreditam nisso e investem da forma errada, desconhecendo o risco que o mercado de criptos – ainda em sua pré-adolescência – pode infligir a desavisados ou gananciosos extremos.
Pensando nisso, apresentamos abaixo as três formas possíveis para o investimento em criptomoedas, como o Bitcoin ou o Ethereum (as mais conhecidas, neste momento de hype), por pessoas físicas, que não envolvem riscos com pirâmides ou empresas golpistas:
(1) Aquisição peer-to-peer: neste modo, uma pessoa vende a moeda digital a outra, trocando por reais, por exemplo, e a recebe diretamente em sua carteira (wallet) pessoal, que pode ser um aplicativo de celular, um software de computador ou mesmo um código impresso (caberia outro artigo somente para falar a respeito dessa transação, mas por ora o interessante é saber que ela existe), sem intermediários, como bancos, corretoras ou casas de câmbio. Também é possível trocar serviços por moedas digitais diretamente, vendendo bens ou prestando serviços mediante pagamento em criptomoedas. Essa foi a forma originalmente pensada pelo sistema Bitcoin, que, como vimos, visava justamente substituir o sistema monetário tradicional e seus midllemen (intermediários).
(2) Aquisição em exchanges: este é, atualmente, o modo mais popular. As corretoras de criptomoedas cumprem o papel de aproximar as pontas vendedoras e compradoras das mais variadas criptomoedas (existem milhares delas, conhecidas como altcoins, ou seja, as moedas alternativas ao Bitcoin) e cobram uma taxa por isso. Existem corretoras nacionais e internacionais, e nesses ambientes é possível trocar moedas “oficiais”, como o real ou o dólar, por criptomoedas, bem como uma cripto por outra, sem qualquer conhecimento técnico sobre as criptomoedas em si. Funcionam exatamente como uma corretora de valores mobiliários na bolsa, porém, não são reguladas pela CVM, tampouco fazem parte do sistema financeiro “tradicional”, portanto é preciso cuidado em sua escolha e utilização – não se recomenda, por exemplo, que sejam utilizadas como “cofres” ou “carteiras” das criptomoedas adquiridas.
(3) Aquisição de ETFs: os ETFs (sigla em inglês para Exchange Traded Funds) são fundos de investimento negociados em bolsa de valores pelo mundo que funcionam como um “espelhamento” de determinados índices do mercado – como o índice Ibovespa ou a Nasdaq americana. Assim, quem opta por investir em um ETF acaba por investir em todos os papéis que compõem determinado índice, sem ter de comprar todos os papéis (ações, por exemplo) que compõem o referido índice, simplificando o investimento, ao mesmo tempo em que o diversifica.
O Brasil foi o segundo país do mundo (o primeiro foi o Canadá, em fevereiro) a aprovar, por meio da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), dois ETFS de criptoativos: um que replicará apenas a variação do Bitcoin e outro composto por uma “cesta” com seis criptomoedas (Bitcoin, Ethereum, Litecoin, Chainlink, BitcoinCash e Stellar). Ambos são negociados na Bolsa de Valores e estão disponíveis a qualquer investidor, inclusive pessoas físicas interessadas em investir em criptomoedas, mas com pouco conhecimento sobre os padrões necessários para atuar peer-to-peer ou por meio de corretoras.
Cumpre verificar ainda que, pela legislação brasileira, não há nada que impeça uma empresa (melhor, uma pessoa jurídica constituída) a possuir investimento em criptomoedas. Desde que cumpra as normas previstas na IN 1888/19 a título de declaração de movimentações e tenha alguns outros cuidados jurídicos mínimos, é possível utilizar-se da criptomoeda para suas atividades, sem qualquer empecilho legal.
Por fim, um alerta: tão importante quanto a atenção aos meios corretos para a aquisição dos ativos aqui resumidos, é fundamental que o interessado tenha um conhecimento mínimo sobre o que está adquirindo, mesmo porque a volatilidade das criptomoedas ainda é um fator de afastamento para muitos não familiarizados com o ecossistema. Além disso, não se deve investir grandes somas até que o mercado atinja certa maturidade, procurando, sempre que possível, profissionais e pessoas sérias desse ramo para auxiliar nos investimentos, para evitar golpes ou promessas irreais.
– Por Carlos Alexandre Rodrigues
*Carlos Alexandre Rodrigues, é advogado em Londrina-PR, autor de Criptomoedas e Blockchain – Aspectos Jurídicos, pela Editora Juspodium, atualmente em sua segunda edição. Contatos em seu site: www.caradvogados.com.br